quarta-feira, 29 de outubro de 2008

RELATÓRIO NACIONAL BRASILEIRO SOBRE O ENVELHECIMENTO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA

 

 

 

1 - Introdução - Contextualização do envelhecimento da população mundial: as conferências sobre temas sociais da ONU; a Constituição de 1988.

 

2 - Brasil - Aspectos econômicos, políticos e sócio-culturais

 

3 -  Condições da vida da população idosa brasileira

 

            3.1 - Introdução

            3.2 - Evolução demográfica

                        3.2.1 - Participação do idoso na população brasileira

                        3.2.2 - A feminilização da velhice

                        3.2.3 - Solidão na velhice

         

Introdução

 

 

            A segunda Assembléia Mundial sobre Envelhecimento deverá realizar-se de 8 a 12 de abril, em Madri. A primeira Assembléia das Nações Unidas especificamente dedicada ao tratamento daquele tema realizou-se em 1982, em Viena. O período de vinte anos que separa uma da outra ressalta os contrastes das circunstâncias históricas em que ocorreram. Com efeito, enquanto a primeira das Assembléias teve lugar num tempo marcado, no plano internacional, pelas tensões da Guerra Fria e, regionalmente, pela prevalência de regimes de exceção, a segunda acontecerá num horizonte caracterizado pelo fim do sistema bipolar, pelo progressivo fortalecimento das democracias e pelo fenômeno da globalização.

 

            Além desse quadro de acontecimentos que definem o momento atual em contraste com aquele de há vinte anos, um outro fato situa de maneira especial a próxima realização da segunda Assembléia Mundial sobre Envelhecimento: ela ocorrerá num contexto próprio, após o denso do ciclo de conferências das Nações Unidas sobre temas sociais da década de noventa. Aquele ciclo de conferências - a " Cúpula Mundial sobre a Criança (Nova York, 1990), a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992), a Conferência sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social (Copenhague, 1995), a Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995), a Conferência sobre Assentamentos Humanos (Istambul, 1996), e a Cúpula Mundial sobre Alimentação (Roma, 1996) - parecia ter avançado, até quase o esgotamento, a consideração da totalidade dos temas sociais.

 

            Antes de 1977, a questão do idoso não era focalizada pela Assembléia Geral nem pelas agências especializadas da Organização das Nações Unidas. O tema era referido de maneira marginal na Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Organização Mundial da Saúde (OMS) e na Organização para a Educação, a Ciência e a Cultura da ONU (UNESCO), como parte de suas atividades especializadas, sem, contudo, ocupar em qualquer desses foros um lugar central. Foi naquele ano que o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) adotou a resolução 32/132, pela qual convidava os Estados Membros a examinar a conveniência de se convocar uma assembléia mundial sobre envelhecimento. Um ano mais tarde, a Assembléia Geral da ONU, em sua 33ª Sessão, adotou a resolução 33/52, pela qual decidiu convocar uma Assembléia Mundial com vistas a servir de foro para a consideração do tema do envelhecimento e para elaborar um plano de ação internacional com o objetivo de garantir a segurança econômica e social do idoso, bem como a identificação de oportunidades que contribuiriam ao desenvolvimento nacional .

 

            Cento e vinte e quatro Estados se fizeram representar à primeira Assembléia Mundial sobre Envelhecimento, que se realizou no período de 26 de julho a 6 de agosto de 1982, em Viena. Em verdade, o tema do envelhecimento adquirira importância crescente a partir do momento em que se percebeu, pela projeções das estatísticas, que em cinqüenta anos o número de idosos superaria a marca do bilhão, sendo que três quartas partes daquele total pertenceriam a países em vias de desenvolvimento. Já naquela época dizia-se que essa tendência era o resultado dos controles de natalidade (e o conseqüente envelhecimento da população), da redução da mortalidade infantil, bem como da diminuição da incidência nefasta de uma séria de doenças infecciosas. A importância do fenômeno demográfico-social parecia deslocar-se, assim, dos países desenvolvidos para os países em vias de desenvolvimento.

 

            Tendo em conta que a Assembléia sobre envelhecimento constituiu o primeiro foro global intergovernamental a tratar do problema da dinâmica da redistribuição dos grupos etários nas pirâmides populacionais dos países, esperava-se, no começo dos anos 80, alcançar consenso com relação aos princípios básicos para o tratamento da questão, à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Algumas delegações lembraram, na ocasião, que a Assembléia Mundial sobre Envelhecimento ocorria num preocupante contexto político, econômico e social e que o idoso, por ser mais vulnerável, tenderia a sofrer mais do que os seres humanos de outras faixas etárias as consequências do colonialismo, neocolonialismo, racismo e práticas de apartheid. A menção ao colonialismo, racismo e apartheid deriva do marco de referência sobre direitos humanos consubstanciados na Conferência Internacional sobre aquele tema, que se realizou em 1968, em Teerã, à época do Xá Reza Pahlevi. Convocada vinte anos após a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em Paris, em 1948, a Conferência de Teerã - além de revisitar o caminho percorrido para incorporar no sistema internacional os princípios consagrados naquela Declaração - iria concentrar seus trabalhos nas questões candentes à época da descolonização e das questões dela derivadas como, por exemplo, a eliminação de todas as formas de discriminação racial e das práticas da política de apartheid. Como se pode observar, a preocupação com o idoso surgia como resultado de tendências demográficas bem marcadas e de uma situação de conflito. Não era, ainda, um tema propriamente desvinculado de outros, que à época pareciam, para muitos, de tratamento mais urgente.

 

            O Plano Internacional de Ação sobre Envelhecimento que veio a ser adotado pela primeira Assembléia Mundial sobre Envelhecimento consta de um total de sessenta e seis recomendações sobre diversos temas, como os da saúde, assistência social, habitação, transportes, previdência, trabalho e educação. É importante recordar que a maioria desses temas era tratada na ONU em Comissões de natureza econômica - de maneira subordinada - ou política - "no sentido estrito do termo, concernentes às formas de exercício do poder estatal, sem claras implicações sociais", como lembra o Embaixador Lindgren Alves em livro recentemente publicado. Faltava ainda, portanto, àquela altura, alçar os temas sociais ao mesmo status dos temas políticos e econômicos. Os direitos humanos tampouco recebiam tratamento adequado. Os resultados da Conferência de Teerã terão ficado aquém da expectativa de observadores que buscavam encontrar, em meio às tensões do cenário internacional bipolar, um projeto essencialmente humanista que gerasse esperança de mudanças profundas no sistema-mundo. O problema parecia residir na própria redação do artigo 13 da Proclamação de Teerã - o documento mais importante daquela Conferência - pelo qual a indivisibilidade dos direitos humanos e das liberdades fundamentais parecia condicionar-se à consecução dos direitos econômicos. A subordinação dos direitos humanos e dos temas sociais à perspectiva economicista seria aclamada pelos regimes de exceção, que empregavam a equivocada fórmula de que primeiro seria necessário fazer crescer o bolo, para depois poder dividi-lo num segundo tempo que não chegava nunca. Num quadro de tensões, todos os direitos e as liberdades seriam relegados a um segundo plano de pouca visibilidade. Os direitos dos idosos não seriam exceção.

 

            Vinte anos depois, a realização da segunda Assembléia Mundial sobre Envelhecimento ocorrerá num contexto totalmente diferente. No plano internacional, o quadro de referência sobre direitos humanos passa a ser a Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em 1993, em Viena. Ao contrário da Conferência de Teerã, a de Viena contou com numerosa assistência de organizações não-governamentais (mais de oitocentas entre aquelas sem e com status consultivo no âmbito do Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas). Nesse contexto, ganha importância a parceria existente entre o Estado e a sociedade civil na consideração de todos os temas, que, desse modo, são imbuídos de uma visão antropocêntrica. Finalmente, os direitos humanos adquirem importância própria, desvinculados da necessidade de subordiná-los a outros temas ou valores. Recorde-se que em decorrência das recomendações da Conferência de Viena, o Poder executivo estabeleceu uma Secretaria de Estado dos Direitos Humanos de nível hierárquico equivalente ao ministerial e, no âmbito do Ministério das Relações Exteriores, criou-se o Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais. No plano interno brasileiro, o quadro de referência é a Constituição de 1988, que ademais de seu caráter social "(...) tem orientação internacionalista jamais vista na história constitucional brasileira. Essa orientação internacionalista se traduz nos princípios de prevalência dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos, do repúdio ao terrorismo e ao racismo e da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (...) (versão preliminar do Primeiro relatório Brasileiro à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher).

 

            Além daqueles dois quadros de referência de caráter político que distinguem a época atual daquela em que se realizou a primeira Assembléia Mundial sobre Envelhecimento, há ainda, no Brasil, uma circunstância econômica favorável ao atendimento de reivindicações sociais. Um dos grandes males do país, até meados dos anos 90, vinha pelo lado da economia, por intermédio do chamado "imposto inflacionário", que tinha o agravante de não ter sido aprovado pelo Congresso Nacional. Para o segmento da população brasileira sem acesso à reposição das perdas inflacionárias por meio de mecanismos de indexação, esse era, com certeza, o mais cruel dos impostos, pois ao reduzir continuamente o valor da moeda impunha uma barreira quase intransponível para a superação da pobreza.

 

            À política de estabilização econômica deve-se o fato concreto da eliminação do imposto inflacionário, com o resultado imediato de redução percentual significativa da pobreza com respeito ao total da população brasileira. A proporção da população classificada abaixo da linha da pobreza diminui de 40% no inicio da década de 90 para 33% em 1999.[1] Trata-se, sem dúvida, de uma conquista social sem precedentes na história do Brasil.

 

            Exame dos índices sociais mostram que no período de 1994 a 2001 houve significativa melhora nas áreas de direitos humanos, saúde, educação, trabalho e desenvolvimento rural. Além do fator econômico decorrente da estabilização da moeda, a mudança positiva deve-se ao novo perfil adotado por mais de quarenta programas sociais governamentais em andamento, que se caracterizam pela estreita parceria entre o Estado e a sociedade civil em suas fases de elaboração e execução. Recorde-se que no esforço desenvolvido ao longo dos últimos anos para o aperfeiçoamento da ação do Governo e da sociedade civil na promoção e proteção dos direitos humanos tem sido essencial guiar-se pelo preceito constitucional da descentralização do Estado, pela necessidade lógica de tornar mais dinâmica e visível a participação de segmentos não-governamentais interessados na construção, em parceria, de uma sociedade mais justa, e pela multiplicação de espaços abertos de interlocução Estado/sociedade civil dedicados à formulação de estratégias para as superação da pobreza e da exclusão social.

 

            Não obstante as dificuldades explícitas e implícitas na implementação de uma estratégia desse porte, em especial num país em desenvolvimento, tem sido possível alcançar êxitos importantes e muito animadores. Os diversos programas sociais conduziram a resultados cujos benefícios são multiplicados em virtude das oportunidades novas criadas pela política de estabilização e pela crescente interlocução/ parceria Estado/sociedade civil. O conjunto dessas ações políticas e programas constitui a mais clara demonstração das mudanças cruciais em curso na sociedade brasileira, que permitirão, espera-se que em prazo bem mais curto, superar as marcas da desigualdade e da injustiça que caracterizam a formação histórica do Brasil.

 

            Não é demasiado assinalar a preocupação dos brasileiros com os impactos negativos de crises externas, que parecem reverberar com mais intensidade no sistema-mundo caracterizado pelo fenômeno da globalização. Ao mesmo tempo em que passamos a incorporar em nossa agenda política a consideração e o tratamento dos direitos humanos e dos temas sociais, temos procurado, nos foros internacionais, promover mudanças estruturais fundamentadas na necessidade da prevalência dos valores humanos e sociais sobre a lógica pura do mercado, não necessariamente voltada para o atendimento dos anseios de importantes segmentos em vulnerabilidade social. Em suma, fazer avançar o tratamento de questões sociais, dever interno de cada Estado, não é algo que possa ser feito de maneira abstrata, isoladamente do funcionamento da economia internacional crescentemente globalizada.

 

            "O Brasil não é um país pobre; é um país injusto". Com essa frase, o Presidente Fernando Henrique Cardoso resumiu a dura herança recebida, decorrente do atraso histórico brasileiro, que reclama, para a reversão de seus efeitos deletérios, a ação decidida, consciente e responsável de todos os cidadãos. Mudar um estilo de vida enraízado é algo que leva no mínimo uma vida. Mudar um país é um processo histórico, plurigeracional, que se estende além do período de um ou dois mandatos presidenciais. Hoje há sinais claros e irreversíveis de que os elementos de mudança passaram a se sobrepor aos elementos de permanência e conservação. Este relatório, o primeiro que o Brasil submete à consideração do sistema das Nações Unidas sobre o tema do envelhecimento, procura retratar o processo de mudanças que vem alimentando uma parte importante da realidade brasileira: aquela relativa ao tratamento integral da questão dos idosos.

 

            O presente relatório é resultado de um trabalho de pareceria entre o Estado e a sociedade civil. Os cinco primeiro capítulos e o último são de responsabilidade do Estado. O capítulo sobre sociedade civil é de responsabilidade da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), do Serviço Social do Comércio (SESC), da Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COPAB), da Associação Nacional de Gerontologia (ANG), e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Foram realizadas duas reuniões no Instituto Rio Branco, coordenadas pelo Itamaraty, com ampla participação de entidades do Estado e da sociedade civil

Capítulo 2 - Brasil: características sócio-econômicas

 

1. Aspectos gerais

 

O Brasil é um país de dimensões continentais. Ocupa uma área de 8.547.403,5 km2,  situada em grande parte ao sul do Equador. Seus limites se estendem por uma linha de 23.086 km, dos quais 15.719 correspondem à fronteira com outros países da América do Sul e 7.367 com o Oceano Atlântico.

 

Em termos político-administrativos, o país está organizado sob a forma de uma República Federativa formada por 26 estados e o Distrito Federal, onde se localiza Brasília, a capital. Os estados brasileiros, por sua vez, são constituídos por 5.561 municípios.

 

A população brasileira, de acordo com o último censo demográfico realizado em 2000, aproximou-se da marca de 170 milhões de habitantes, dos quais 82% moram em áreas definidas como urbanas. Nos anos setenta, projetava-se que a população brasileira ultrapassaria os 200 milhões de habitantes no ano 2000. A diminuição da fecundidade, no entanto, reduziu o ritmo de crescimento populacional e levou a um envelhecimento dessa população. Como resultado, o Brasil deixou de ser um país predominantemente de jovens, passando a ser um país com uma pirâmide etária mais concentrada na faixa da "meia idade". Este processo foi resultado de elevadas taxas de crescimento vegetativo no passado, seguido de um processo de declínio ainda no final dos anos sessenta. A taxa atual de fecundidade total é de 2,1 filhos por mulher no final do período reprodutivo, enquanto a esperança de vida ao nascer é de 68,6anos.

 

A economia brasileira, medida pelo Produto Interno Bruto, encontra-se entre as dez maiores do mundo.[1] A diversidade geográfica da distribuição dos recursos naturais e das formas de ocupação do território brasileiro permitem que os estados sejam agrupados em cinco Grandes Regiões caracterizadas pela dominância de certo número de características comuns (físicos, humanos, econômicos e sociais), que as tornam bem distintas uma das outras. O mapa 1 ilustra essa divisão. A tabela 1 apresenta algumas características sócio-econômicas e demográficas para o país como um todo e para cada uma das cinco grandes regiões.


[1] De acordo com o relatório do Banco Mundial (2000/1), o Brasil ocupava em 1999 a oitava colocação em termos de produto.




 


A primeira região em extensão territorial é a Norte, que abrange 42% do território nacional e inclui a maior parte da Amazônia brasileira. Não obstante o objetivo almejado pelas políticas do Governo Federal a partir da década de sessenta visando a ocupação da Amazônia (construção de grandes rodovias como a Belém-Brasília e a Transamazônica; programas de colonização; criação da zona franca de Manaus, etc), em 2000 apenas 7,6% da população nacional vivia naquela região; a sua densidade demográfica não ultrapassava 3,3 hab/km2. A Região Centro-Oeste, a segunda maior região do país em extensão territorial, é a que tem a segunda menor ocupação em termos populacionais. A sua ocupação se intensificou nos anos sessenta, tendo como atrativos a disponibilidade de terras agrícolas e a construção de Brasília. A baixa densidade populacional dessas duas regiões reflete o processo histórico de povoamento do Brasil, que privilegiou a ocupação ao longo da costa, situada a leste.

 

A região brasileira economicamente dominante é a do Sudeste. Em 2000, detinha 42,6% da população total, 38,7% da população urbana, 57,6% do produto total e aproximadamente 2/3 do Produto Industrial. O Sudeste abriga as três maiores regiões metropolitanas e o maior parque industrial do país. A Região Sul também é uma região economicamente importante, contribuindo com aproximadamente 17,2 % do produto nacional, e 14,8% da população. A região Nordeste se caracteriza por ser a segunda região mais povoada do país e apresentar a mais baixa renda per capita.

 

 

2. Aspectos sócio-econômicos

 

O Brasil se destacou na década de setenta com um modelo de desenvolvimento econômico dinâmico, caracterizado por um crescimento rápido e com poucas descontinuidades. As taxas médias anuais de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e do Produto Industrial foram respectivamente de 7,1% e 8,5% entre 1947 e 1980. Além de elevadas taxas de crescimento, transformações substantivas ocorreram na estrutura produtiva brasileira: entre 1955 e 1980, a participação industrial no PIB cresceu de 26% para 40%, tendo se mantido em torno de 36% durante toda a década de 1990. Paralelamente, a participação do setor agropecuário passou de 23,5% para 10%, em 1980, não ultrapassando atualmente os 7%. Essas transformações estão refletidas na diversificação da pauta de exportações brasileiras: em 1950, 2/3 da pauta de exportações correspondia ao café, atualmente esse produto corresponde a 4,7 % das exportações. Hoje, café, minério de ferro e aviões representam os três principais produtos de exportação.[1]

 

A partir do início dos anos 1980, o país interrompe a trajetória de crescimento verificada no período posterior à segunda guerra mundial. A eclosão da crise da dívida externa, que impôs severas e continuadas restrições ao crescimento de toda a América Latina, apresentou especial repercussão para a economia brasileira, que todavia não se havia recuperado do primeiro choque do petróleo (1973). A década, que se iniciara com uma recessão profunda (1981/1983), terminou com uma reduzida taxa de investimento segundo os padrões históricos e uma taxa de inflação da ordem de 50% ao mês, produzida principalmente pelo desequilíbrio fiscal.

 

A década de 1990, por sua vez, foi pautada por uma série de transformações de cunho político, econômico e social. No plano político, ela se inicia com a posse do primeiro Presidente eleito pelo voto direto após a ditadura militar. No plano econômico, o país, à semelhança do que se passava em outros países da América do Sul, deu início à transformações profundas, de que são exemplo o Plano de Estabilização Econômica o enxugamento da máquina administrativa, na tentativa de contenção do déficit fiscal, as aberturas comercial e financeira e o processo de privatização.

 

Em 1995, com a posse do novo Presidente e com a inflação sob controle, foram retomados os debates sobre as reformas estruturais, necessárias para o plano de estabilização econômica (Plano Real). Foram elaboradas propostas de emendas constitucionais com o objetivo de liberalizar a economia, aumentar a produtividade e conter o déficit público. Entre as reformas propostas constavam o fim dos monopólios explorados diretamente pelo Estado (cabotagem, petróleo, telecomunicações, portos), o programa de privatização, a reforma tributária, a reforma previdenciária e a reforma administrativa. Ainda em 1995, passou a vigorar o Tratado de Assunção, cujo objetivo era a implantação do Mercado Comum do Cone Sul, (Mercosul), que se iniciara por meio da criação de uma área de livre comércio entre os países membros (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).

 

A segunda metade da década se caracteriza pela estabilidade de preços e pelo avanço das reformas estruturais propostas. Não obstante a observada redução da pobreza em conseqüência do Plano Real  de valores superiores a 40% na primeira metade da década de 1990 para aproximadamente 32% após 1995, os níveis de desigualdade social permaneceram praticamente os mesmos desde os anos 1970. O coeficiente de Gini estimado para o ano de 1999 não se alterou quando comparado ao do ano de 1979 [2].

 

2.1 - Mercado de trabalho

 

Nas últimas duas décadas do século XX o mercado de trabalho brasileiro, além dos fatores estruturais que caracterizaram as transformações econômicas deste final de século, foi vítima de aspectos conjunturais desfavoráveis relacionados às duas fortes recessões - 1981/83 e 1990/92 - verificadas no período. Se na recessão dos anos oitenta a principal questão residiu no crescimento o da economia informal, nos anos noventa, o grande desafio residiu na criação de postos de trabalho.

Ambas as crises resultaram em uma diminuição de trabalhadores com carteira assinada no total da população economicamente empregada. No entanto, ao passo em que na recuperação dos anos oitenta ocorre uma recuperação no nível do emprego com carteira assinada no patamar prévio à crise, na década de noventa não se verifica essa retomada. O emprego com carteira assinada apenas se estabiliza com a recuperação econômica resultante da implementação do Plano Real [3]. Ainda que possa haver um componente conjuntural, essa tendência parece refletir a consolidação de uma nova ordem tecnológica/produtiva. Dessa forma, dois fenômenos parecem contribuir para a manutenção de altos patamares de informalidade no mercado de trabalho: 1) a própria característica da legislação tributária/trabalhista, fazendo com que a carga fiscal represente um peso para o setor formal da economia e 2) o fato de que no setor mais moderno da economia, no qual é maior a probabilidade de participação no mercado de trabalho formalizado, as novas tecnologias tendem a ser poupadoras de mão-de-obra.

 

O desemprego na década de 1990, por sua vez, saiu de um patamar histórico de valores próximos a 5% para 7,5% da população economicamente ativa no final da década, ao mesmo tempo em que a proporção de empregados com carteira assinada continua em declínio (ver gráfico 1). Tendo em vista que, via de regra, os direitos sociais no Brasil são acessíveis apenas aos trabalhadores com carteira assinada, essa desorganização no mercado de trabalho além de contribuir para o aumento das desigualdades sociais, gera impacto negativo no financiamento das políticas sociais.[4]

 


[1] Os três produtos juntos representam menos de 15% do total das exportações brasileiras

[2] Barros, Henriques e Mendonça, 2000

[3] Cardoso e Fernandes, 2000

[4] Fagnani, 1999




2.2 - Políticas sociais

 

As transformações no mercado de trabalho tiveram reflexos sobre o sistema de proteção social pela vinculação histórica do mesmo ao assalariamento da força de trabalho. Desde a década de 1970, os embrionários sistemas de proteção social implantados no Brasil haviam revelado reduzida eficácia, o que impunha sua reestruturação. No entanto, não se pode negar que a dinâmica da expansão das políticas de proteção social no Brasil vêm indicando padrões mais elevados de redistribuição.

 

A segunda metade dos anos oitenta se iniciou com o processo de redemocratização da sociedade brasileira, o que levou os governantes a concederem prioridade à questão das desigualdades sociais e da pobreza. Embora esta situação marque nossa sociedade desde os seus primórdios, ela se agudizou no período dos governos militares (1964/1984), concomitantemente com um crescimento econômico acelerado e ao aumento da riqueza de uma maneira geral. As várias crises dos anos 80 e suas conseqüências em termos de desemprego e de salário real agravaram o problema.

 

 Marco importante para as políticas sociais brasileiras foi a promulgação da Constituição de 1988, também denominada constituição cidadã, que introduziu um conceito de proteção social mais abrangente. Até então, a proteção social era baseada em um contexto estritamente social-trabalhista e assistencialista. "Acompanhando uma tendência mundial em termos conceituais, a Constituição de 1988 definiu o Sistema de Seguridade Social brasileiro como constituído por um conjunto integrado de ações que tem por objetivo proteger e amparar a sociedade contra uma diversa gama de riscos sociais, tais como: assegurar a renda dos trabalhadores para os casos de perda da sua capacidade de trabalho, no caso do Seguro Social (ou Previdência Social); prover condições mínimas de subsistência para os segmentos da sociedade mais necessitados (Assistência Social) e, prestar serviços de assistência à saúde para toda a sociedade".

 

Uma das características marcantes da Constituição de 1988 é o princípio da descentralização. No campo social, à questão da descentralização se alia ao estabelecimento de novas instâncias de gestão com o intuito de aumentar a participação da sociedade na formulação, implementação, controle e avaliação das políticas sociais.

 

Na primeira metade da década de 1990 deu-se a implementação dos princípios constitucionais de 88. Se, por um lado, verificou-se nesse período o crescimento dos gastos do sistema decorrentes da crise econômica predominante ainda em princípios da década de 1990, a segunda metade dos anos 90, por outro, foi marcada por ajustes para conter esses gastos. Ao longo de toda a década, no entanto, não se observam grandes modificações no patamar dos gastos sociais federais em proporção ao PIB, que se mantiveram em torno de 12%(vide tabela 2). De um lado, a flutuação dos dispêndios por cada uma das áreas sociais refletiu os fatores econômicos; de outro, os gastos com educação sofreram alterações devido ao processo de descentralização. 




A assistência à saúde é a pioneira no processo de descentralização das políticas sociais, com a criação ainda em 1987 do Programa de Desenvolvimento de Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde dos Estados (SUDS) que viria a ser um embrião do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS assegura a universalização e a integralidade do atendimento ao usuário (cidadão), confirmando a gestão descentralizada para os estados e os municípios. Atualmente, praticamente a totalidade dos municípios brasileiros já está inserida em alguma forma de administração local.

 

O sistema educacional brasileiro, que já vinha incorporando o princípio de universalização a partir de meados da década de sessenta, com importantes reflexos sobre a redução do analfabetismo (em 1960 era de 40%  e hoje é  de 13 %), também observou o aprofundamento do processo de descentralização na década de 1990, quando da regulamentação do dispositivo constitucional, tendo como exemplo o programa de merenda escolar, que tradicionalmente era executado pelo governo Federal. Atualmente as atribuições de cada um dos níveis de governo estão definidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em 1996. De acordo com essa lei, a coordenação da política Nacional de Educação e a articulação com os demais níveis de governo fica a cargo da União. Além disso, foram reestruturados os mecanismo de gestão, tendo sido instituídos os Fundos de Manutenção do Ensino Fundamental e o de Valorização do Magistério (FUNDEF). Os resultados dessa prática já se fazem notar nas taxas de escolarização da população de 7 a 14 anos, que se aproximaram dos 95% na segunda metade dos anos 90.

 

No plano previdenciário, as novas leis foram implementadas em 1992. A regulamentação dos princípios constitucionais, no entanto, coincidiu com um momento econômico pouco favorável, fazendo com que os aumentos dos gastos do sistema passassem a pressionar cada vez mais as contas públicas. Em relação à regulamentação anterior, as novas leis inovaram ao: a) igualar a cobertura dos riscos; b) ampliar as condições de elegibilidade, c) definir os valores dos benefícios para a clientela urbana e rural, d) estender a concessão do benefício de pensão por morte para todos os cônjuges, independentemente do sexo, e) dar o benefício da aposentadoria proporcional para a mulher f) reduzir a idade para concessão de aposentadoria por idade ao trabalhador rural (homem) de 65 anos para 60 anos; e g) conceder a aposentadoria por idade à trabalhadora rural aos 55 anos de idade (também cinco a menos do que para a clientela urbana). Dessa forma, os novos benefícios, pautados muitas das vezes por critérios redistributivos, fizeram com que os principais beneficiários das novas medidas legais tenham sido os trabalhadores rurais, que por tanto tempo haviam permanecido alijados do sistema. O impacto sobre os níveis de pobreza no campo são fortemente sentidos, tendo ocorrido uma redução da pobreza e da indigência dos idosos para praticamente a metade entre o início e o fim da década.

 

No âmbito da Assistência Social, até a década de 1980 conviviam múltiplos programas, que atendiam desde as necessidades de alimentação, saúde, educação, assistência jurídica e até  lazer. Tais programas  eram vinculados a diversos órgãos públicos, espalhados por todos os níveis de governo. A Constituição de 1988, como mencionado anteriormente, elevou a assistência social a um direito de cidadania, para os necessitados e desamparados, independentemente de quaisquer contribuições prévias A garantia de um benefício assistencial a todos os idosos e deficientes que comprovem não possuir renda foi uma das mais importantes conquistas da Constituição. Outros programas decorrentes da dimensão social da Constituição compreendem aqueles de atendimento à criança de 0 a 6 anos , de erradicação do trabalho infantil em suas piores formas, de promoção de jovens em situação de risco, de atenção integral à crianças e adolescentes, vítimas de abuso ou de exploração sexual e de atenção especial ao idoso e portadores de necessidades especiais. Todos esses programas são centrados nas famílias e são realizados, mediante o princípio de descentralização, pelos municípios, cabendo aos estados sua coordenação e supervisão, enquanto à esfera Federal cabe o papel normativo e de coordenação nacional. A Política Nacional de Assistência conta também com a constituição de fundos e conselhos nos três níveis responsáveis pelo direito de transparência no repasse e utilização dos recursos.

            Constituiu-se uma rede de proteção social, integrada por programas de repasse de recursos às famílias em situação de pobreza. Tais programas (Bolsa Alimentação, Bolsa Escola, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, Benefício de Prestação Continuada, e Aposentadoria Rural) envolvem recursos da ordem de R$ 10 bilhões, repassados diretamente às famílias por meio da utilização de um cartões sociais individualizados (aproximadamente R$.6 bilhões são repassados à população idosa). As famílias têm a responsabilidade de inserir e manter seus membros em programas de proteção social nas áreas de educação, assistência social, saúde e geração de renda.

 

Outra importante medida no campo assistencial foi a criação, no início de 1993, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) retomando a questão do combate à fome e à miséria. O CONSEA deu origem , em 1995, ao  Programa Comunidade Solidária. Tal programa tem como objetivo, desenvolver e coordenar ações voltadas à superação da pobreza e propiciar a interlocução Estado/sociedade civil. Com efeito, o Programa Solidariedade tem como estratégia a busca de um novo estilo de gerenciar ações sociais com maior participação da sociedade em suas diversas formas de organização e expressão. Sua implementação tem mostrado resultados positivos sobretudo nas áreas de saúde e educação.

 

Cabe mencionar ainda, no âmbito social, os preceitos constitucionais que se referem à remoção de barreiras arquitetônicas sobretudo em vias, logradouros, e edificações. A Constituição de 1988, estabeleceu ademais, especificamente para os idosos, a gratuidade dos meios de transportes urbanos, tendo-a, posteriormente, estendido aos portadores de deficiência.

 

Finalmente, há que se ressaltar que a estabilização de preços em curso no país desde 1994 (Plano Real) constituiu-se como um mecanismo de redistribuição de renda, com impacto imediato no segmentos de mais baixa renda.


Capítulo 3 - Condições de vida da população idosa brasileira

 

3.1 – Introdução

 

O envelhecimento da população brasileira se evidencia por um aumento da participação do contingente de pessoas maiores de 60 anos de 4% em 1940 para 9% em 2000. Além disto, a proporção da população "mais idosa" ou seja, acima de 80 anos tem aumentado, alterando a composição etária dentro do próprio grupo, o que significa que a população considerada idosa também está envelhecendo 7Isto leva a uma heterogeneidade do segmento populacional chamado idoso.

 

Este capítulo apresenta uma descrição das condições de vida da população idosa brasileira. Está divido em oito seções, sendo a primeira esta introdução. A segunda analisa a dinâmica de crescimento do grupo etário chamado idoso por sexo, subgrupos de idade e estado conjugal. A inserção desse subgrupo na família é mostrada na terceira seção. O perfil de mortalidade bem como as condições de saúde são apresentadas nas quartas e quinta seções. A sexta analisa a inserção do idoso no mercado de trabalho. Dada a importância da renda como indicador das condições de vida da população idosa, esta questão é considerada na sétima seção. A oitava seção apresenta uma síntese dos resultados.

3.2 - Evolução demográfica

 

3.2.1 - Participação do segmento do idoso na população brasileira

Estima-se que no ano de 2002, a população brasileira com mais de 60 anos seja da ordem de 15 milhões de habitantes. Projeções recentes indicam que este segmento poderá chegar a quase 15% do contingente populacional em 2020[1]. Isto se deve à alta fecundidade observada nos anos 50 e 60 e à queda da mortalidade que beneficiou todos os grupos populacionais.

 

Conforme já se mencionou, a proporção da população "mais idosa" (acima de 80 anos) no total da população brasileira também está aumentando, em ritmo bastante acelerado. Representa o segmento populacional que mais cresce, embora ainda apresente um contingente pequeno: de 166 mil pessoas em 1940, o grupo "mais idoso" passou para quase 1,8 milhões em 2000. Representava 12,6% da população idosa em 2000  e aproximadamente 1% da população total (vide gráfico 1).


[1] Camarano et allii, 1997



3.2.2 - A feminilização da velhice

Em 2000, dos 14,5 milhões de idosos 55,0% eram do sexo feminino, o que reflete uma taxa de crescimento mais elevada em relação ao segmento masculino. Como veremos na quarta seção, a maior longevidade da população feminina explica esse diferencial na composição por sexo. Conseqüentemente, quanto "mais velho" for o contingente estudado, maior será a proporção de mulheres (vide gráfico 1).

 

A predominância da população feminina entre os idosos tem repercussões importantes nas demandas por políticas públicas. Uma delas refere-se ao fato de que embora as mulheres vivam mais do que os homens, elas estão mais sujeitas a deficiências físicas e mentais do que seus parceiros masculinos, fato que examinaremos mais detidamente na quarta seção. Outra conseqüência importante diz respeito à elevada proporção de mulheres vivendo sozinhas, 14% em 1998. Além disto, 12,1% moravam em famílias na condição de "outros parentes" (mães, sogras, irmãs ou outro tipo de parentes relacionados ao chefe de família). Em 1995, as viúvas representavam 74% do contingente feminino de "outros parentes". Boa parte desse último grupo possivelmente não tem experiência de trabalho no mercado formal e é menos educada, o que leva a uma maior assistência tanto por parte do Estado quanto das famílias.

 

3.2.3 - Solidão na velhice?

É crescente a proporção de idosos vivendo sozinhos, tanto homens quanto mulheres(vide gráfico 2). A industrialização e a urbanização alteram os padrões de segurança econômica, bem como das estreitas relações intergeracionais na família. No entanto, pesquisas recentes têm mostrado que a univerzalização da Seguridade Social, as melhorias nas condições de saúde e outros avanços tecnológicos (tais como nos meios de comunicação, elevadores, automóveis, entre outros),l indicam que viver só, para os idosos, representa uma forma inovadora e bem sucedida de envelhecimento, o que vai de encontro à imagem estereotipada de abandono, descaso e/ou solidão9. Viver só pode ser uma situação temporária do ciclo de vida e pode também refletir  uma opção pessoal. Na verdade, a proximidade geográfica nem sempre pode ser traduzida por uma maior freqüência de contato com filhos ou netos. A proporção dos mais idosos vivendo só é mais elevada do que a dos idosos mais jovens: 10,6% e 16,7%, respectivamente.